Pescadores artesanais em Bombinhas-SC. Muitos desbravaram o oceano para além da costa bombinense. |
Com mais de 100 entrevistas realizadas, projeto de pesquisa colhe relatos importantes para entender a relação dos rios que desaguam na Baía de Tijucas e a conservação de tubarões e raias.
Por William Wollinger Brenuvida, jornalista
Com apoio de Tiago Manenti Martins, engenheiro de aquicultura
Dizem que a atividade pesqueira é tão importante que Jesus Cristo convidou pescadores para com ele compor a Santa Ceia, dividindo o pão, para dizer que o mar é daqueles mistérios tão infinitos quanto o dilema da vida. Dos primeiros passos, em dezembro de 2016 até a fase de produção das entrevistas, entre fevereiro a agosto de 2017, o Projeto Informar: tubarões e raias ouviu mais de 100 pescadores, pesquisadores e representantes de órgãos públicos ligados à pesca. Fez eco. Provocou polêmicas. Estendeu a mão. Manteve a distância satisfatória para enxergar um cenário repleto de nuanças, sons e enfrentamentos. O Informar ouviu o pescador sem ter a pretensão de dar a voz a uma classe de trabalhadores que é também participe de um processo de manutenção de uma cultura de base açoriana e africana, e que hoje se mistura a outras culturas. Aprende e desaprende. Imagina. Supõe. Recua e avança. Sim, tem dúvidas. Esses discursos ecoam nas memórias e atualidades de pescadores entre 20 e 94 anos de idade. E o mais bonito de tudo! Sim, é estória de pescador.
O projeto Informar: tubarões e raias é uma iniciativa do Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas dos Rios Tijucas e Biguaçu, e bacias contíguas com financiamento do Instituto Linha D’água do estado de São Paulo, e apoio do Instituto Chico Mendes para Biodiversidade (ICMbio) e Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios (Labitel), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com a finalidade de avaliar as condições do ecossistema marinho e a preservação dos elasmobrânquios na Baía de Tijucas, o projeto observa se as águas dos rios Tijucas, Inferninho, Santa Luzia, bem como de outros pequenos rios que escoam na Baía de Tijucas influenciam na qualidade de vida das comunidades praieiras participantes da área da abrangência do Comitê Tijucas Biguaçu.
Método e desafio – de pesquisa
Ouvir nunca é simples. O ouvir é múltiplo. E isso se comprova nas variadas falas
dos pescadores. Seja na fala de engajamento da pescadora gancheira Nair Maria Cabral Mance, popular Naca, ao defender a prática da pesca associada à defesa do meio ambiente. “Só se tira da natureza aquilo que é possível para sobreviver”, revela Naca que pendurou as chuteiras após ser ouvida pelo Projeto Informar. Seja na fala de Sandro José Rebelo, herdeiro de uma tradição antiga de pesca, que viu o mar sepultar parentes e amigos centenas de milhas da costa brasileira na busca dos cações mais bravios, e que hoje não quer a pesca para o filho. Seja na fala de Osvaldo Reinaldo de Melo, que foi remar no “Rio Grande”, como se diz na gíria da pesca, o pescador que partiu para luz eterna. Seu Vardinho nos acompanhou por duas vezes, contando estórias que unem as duas partes da baía: Bombinhas e Ganchos, em seus laços familiares, de camaradagem, e aprendizado constante na pesca. Nossos mais valorosos votos de estima e apreço ao seu Vardinho que desafiou a idade e embarcou na velha Almerinda de mais de 140 anos – uma canoa de guarapuvu branco que serviu a gerações na pesca artesanal. A parceria de seu Vardinho que partiu aos 84 anos de idade, deixa grande saudade, respeito e carinho.
Osvaldo Reinaldo de Melo (in memoriam) |
Apesar da diferença entre método quantitativo e análise discursiva, os
pesquisadores Tiago Manenti Martins, engenheiro de aquicultura, e William Wollinger Brenuvida, jornalista, desenvolveram além da amizade, sintonia fina para desenvolver um método que se encaixasse com a realidade das colônias pesqueiras da Baía de Tijucas. Tiago propôs então um questionário com 49 perguntas, como um roteiro para facilitar o entendimento do pescador. William encontrou estórias colhidas no bordo das embarcações, na beira do cais, sem se deixar prender na malha sete. Os resultados foram pouco a pouco formando um mosaico eclético de informações, num relatório sobre a situação da pesca na região, sobre a influência dos rios que desaguam na Baía de Tijucas.
Rafael Mafra é pescador em Bombinhas |
Grande parte dos pescadores alega que o lixo depositado erroneamente nos rios Tijucas, Santa Luzia e Inferninho, além de matar o criadouro de peixes e camarões, também acabam depositados nas praias de Zimbros, Canto Grande (Bombinhas) e Canto dos Ganchos e Calheiros (Governador Celso Ramos). Houve também, reclamação recorrente das condições de trabalho, de preço dos pescados, de ausência de políticas públicas para a pesca. Tudo isso vai aparecer, de alguma forma, no documentário e livro que contou com significativa participação dos pescadores.
A ideia é não encerrar. Sim, continuar. Um texto desafio. Um texto que quebre as regras clássicas do jornalismo. Um texto bem o cenário da pesca, e dos pescadores da Baía de Tijucas, descoberta em 1530, mas já navegada por indígenas há 1000 anos, conforme estudos de dentes de tubarões analisados por exame de carbono 14 coletados na região. Mas como efeito de fecho de texto, nossa homenagem vai para cada participante, até aqui. Outros ainda vão se somar…
Pescadores que participaram em Bombinhas:
Aldi da Silva, Carlos Eduardo Marcelino, DercilioAntonio da Silva Filho, Dercilio
Gonzaga da Silva, Dinizarte Casimiro Silva Filho, Edson Osvaldo Melo, Eliezer Justo dos Santos, Izaias João da Cruz, Izaudi Estevão da Silva, João Eliziario da Silva, Jonatas Xavier, JordelinoSatorato da Silva, José Olímpio Filho, Laudir João de Melo, Laurides João de Melo, Lindomar Emanoel de Santana, Lucas Izaldir da Silva, Luiz Manoel Conceição, Manoel Adolfo da Silva, Marcio Pedro da Silva, Miguel Enio da Silva, Miguel Manoel da Silva Filho, Osvaldo Reinaldo de Melo, Rafael Mailtom Mafra, Silvano Izaldir da Silva.
Pescadores que participaram em Governador Celso Ramos:
Alex Wollinger, Antonio Guilherme da Silva, AntonioValdevino Cavalheiro, ElsonTargino Soares, Ivaldo Fernando Souza, João Abelardo Fagundes, João Januário da Silva, José João Bitencourt, Laureci Geraldo dos Reis, Laurentino Olavo do Nascimento Filho, Luiz Abelardo Fagundes, Manoel Erondino Zeferino, Manoel Itamar Marcelino, Marcio Wollinger, Misael Vandino dos Santos, Moacir Klausem Filho, Moacir Lindolfo Klausem, Nair Maria Cabral Mance, Otílio de Oliveira Neto, Pedro Paulo Simão, Rafael Nunes, Sebastião Cantalício Martins, Tomaz de Aquino Marques, Ugo Otávio Alves, Valdir Correia de Melo.
Pescadores que participaram em Porto Belo:
AcacioBatistoti, Adilson Laudelino da Silva, Afonso Miliorini, Altamiro Abel dos Santos, Alvino Domingos Monteiro, Armando Zimmermann, Carlos Alberto da Silva, Claudio Machado, Cleber dos Santos, Clesio Manoel Antão, Davi Melo, Ismael Domingos dos Santos, João Carlos dos Santos, Joel Antonio Machado, José Mario Rebelo, Manoel André da Conceição Filho, Mario Cesar Correia, Martinho Antonio da Silva Primo, Osmar dos Santos, Sandro José Rebelo, Saul Laudelino da Silva, Silvestre Marques, Tiago Rodrigues da Costa Nascimento, Valdemir Timoteo Rebelo, Walmor Grumercindo Serpa.
Pescadores que participaram em Tijucas
Ademir Formento, Ademir Laudelindo da Silva, Almir Machado, Amiltom dos Santos, Dário Luiz Rocha, Edenilson da Silva, Edevaldo Pinto de Melo, Hélio de Oliveira, Ilson José Wollinger, João SargiloSaramento, José Augostinho de Souza Rosa, José Geraldo Porcíncula, Lauro José Porcíncula, Márcio Formento, Marcio Quilter Marques, Mario Cesar Rocha, Maruzan de Souza, Murilo Wollinger de Souza, OlindinoJovito Machado Filho, Paulo Flortini, Ronaldo Gonçalves Rocha, Sebastião Manoel da Silva, Teclo Mariano Rocha, Valdeci de Souza, Zalmo Machado Nascimento.
Pesquisadores e autoridades na área da pesca: Prof. Dr. Renato Hajenius Aché de Freitas, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências Biológicas (CCB), Departamento de Ecologia e Zoologia (ECZ). Ricardo Castelli Vieira, Chefe de Unidade da Reserva Biológica (Rebio) Marinha do Arvoredo, Instituto Chico Mendes para Biodiversidade (ICMbio). Colônias de pescadores e Secretarias Municipais de pesca de Bombinhas, Governador Celso Ramos, Porto Belo e Tijucas.