Após receber certificações nacionais e internacionais, e mediar conflitos de interesse na região, comitê de bacias vai retratar prática socioambiental que está desaparecendo. Iniciativa do comitê foi escolhida entre mais de 1000 projetos em disputa.
Por William Wollinger Brenuvida, jornalista
Um comitê de bacias hidrográficas pode reunir mais que um debate sobre o uso racional e sustentável da água. Cientes de uma missão que compreende a sensibilização ambiental, a preservação do meio ambiente, e o uso consciente dos recursos hídricos, o Comitê de Gerenciamento das Bacias dos Rios Tijucas e Biguaçu, e bacias contíguas recebeu em 2015, dois importantes títulos: a certificação de tecnologias sociais do Banco do Brasil (renovada em 2017), e a certificação de Boas Práticas da Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO/ONU). Nesta semana, o Comitê Tijucas-Biguaçu recebeu mais uma notícia importante: por meio da Associação Caminho das Águas do Tijucas (ACAT), entidade delegatária, o Comitê Tijucas-Biguaçu vai conduzir um projeto socioambiental ligado à cultura de base açoriana. A ACAT venceu o edital do concurso estadual Elisabete Anderle, na categoria Artes Populares.
Atividades socioambientais de destaque
A partir de julho de 2017, a ACAT passa, oficialmente, a gerenciar três comitês de bacias: Camboriú, Cubatão e Tijucas-Biguaçu. Reunidos, estes comitês são responsáveis por 20 municípios na região, e esse número deve aumentar com a ampliação da bacia do Rio da Madre. Sandra Tiezerini, presidente da ACAT menciona que a entidade apenas gerencia, mas quem faz o trabalho especializado são os técnicos e a diretoria dos comitês: “As pessoas confundem muito quando se fala em comitê de bacias, que é um órgão colegiado criado por lei estadual e federal para cuidar da água de qualidade da população. Como esses comitês, por lei, não possuem personalidade jurídica, ou seja, não podem ter um CNPJ, por exemplo, a lei autoriza a criação de uma entidade delegatária para gerir a burocracia dos comitês, essa entidade é a ACAT.”.
Sandra Tiezerini diz que a entidade foi escolhida pelo Estado de Santa Catarina após anos de experiência com o Comitê Tijucas-Biguaçu, e experiências no âmbito do Cubatão e do Camboriú: “Hoje, a ACAT é referência em um trabalho muito bem feito para Tijucas e região. O Estado nos reconhece como exemplo de gestão, o Banco do Brasil renovou a certificação de tecnologia social, e a ONU nos incluiu na plataforma de Boas Práticas em todo o mundo para preservação da água”.
Em 2011, o Comitê Tijucas-Biguaçu assumiu o Pacto pela restauração da Mata Ciliar, programa revalidado em 2016 com presença de universidades e do Ministério Público Estadual de Santa Catarina (MPSC), e que, já distribuiu mais de 10 mil mudas, em mais de 60 propriedades e espaços públicos de 14 municípios da Bacia. Em 2017, o Comitê Tijucas-Biguaçu venceu o edital do Projeto Informar: Tubarões e Raias, iniciativa realizada com pesquisadores e pescadores da região, e que tem por objetivo incluir a comunidade litorânea no papel do debate da água, em uma simbiose entre os rios e a Baía de Tijucas.
Também, em 2017, o comitê venceu o edital do Fundo Ecumênico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) por utilizar como tema dos concursos de redação e desenho promovidos pelo comitê no âmbito da comunidade escolar, o tema da Campanha da Fraternidade de 2016: “Água e esgoto: qual é a nossa responsabilidade?”. Outra vitória do comitê vai permitir visitar os 14 municípios na chamada “Mostra Fotográfica Itinerante”, com fotografias realizadas pela população, e por técnicos do Comitê Tijucas-Biguaçu.
Parceria de sucesso
Fundado em 2001, o Comitê Tijucas-Biguaçu tem uma trajetória marcada por grandes desafios na região. “Atualmente, o Comitê Tijucas-Biguaçu é uma referência porque sempre esteve com a população da Bacia”, menciona Edison Roberto Mendes Baierle, vice-presidente do Comitê Tijucas-Biguaçu. Edison lembra que o Comitê interviu em, pelo menos, três demandas importantes: escassez de água na microbacia do Rio Perequê; extração de areia; e transposição do Rio Tijucas. “Quando um técnico do comitê chega em uma propriedade rural da nossa região, ele é recebido como alguém que ajudou a água chegar na torneira; a não permitir que a casa do cidadão fosse arrastada pela enchente; por garantir um solo melhor, um clima melhor.”, ressalta Edison.
Questionado sobre a qualidade dos serviços apresentados, o presidente e fundador do Comitê Tijucas-Biguaçu, e atual vice-prefeito de Tijucas, Adalto Gomes é enfático: “Além da cooperação de esforços das diretorias dos três comitês e da ACAT, nós temos um excelente corpo técnico, com funcionários comprometidos com o bem-estar da população.”. Adalto reforça a tese de que sem os comitês, nós estaríamos muito atrasados na região. “Hoje, nós precisamos pensar não apenas o município (Tijucas). Precisamos pensar a região. Se faltar água em um município, o outro pode socorrer. Por que, não? Mas, é preciso fazer um planejamento, pensar estrategicamente as ações. A prefeitura de qualquer região do Estado que não der valor aos comitês de bacias não vai conseguir pensar em desenvolvimento socioeconômico e socioambiental. ”, afirma Adalto.
Canoas de garapuvu?
A Associação Caminho das Águas do Tijucas por meio dos técnicos do comitê venceu o edital Elisabete Anderle de apoio à cultura pela proposta: “Documentário Canoa Bordada de garapuvu: a embarcação de um pau só”, na categoria Artes Populares. Mas, por que o tema?
Durante as pesquisas do Projeto Informar: Tubarões e raias, iniciativa que entrevistou 100 pescadores, em quatro municípios da Baía de Tijucas, além de pesquisadores universitários sobre a interação Rio e Mar, os técnicos Tiago Manenti Martins e William Wollinger Brenuvida, observaram que uma tradição antiga aprendida com os índios e aprimorada pelos imigrantes açorianos e eiriceirenses está desaparecendo: a pesca artesanal, coletiva e secular por meio das canoas de guapuruvu, também chamadas de canoas bordadas. Martins e Brenuvida entenderam que estes pescadores são mais conscientes em relação aos cuidados com a natureza e com a manutenção da memória de suas comunidades. “É como se o tempo que eles tem para observar a natureza conferisse um maior cuidado com tudo o que está ao redor deles.”, afirma o engenheiro Tiago Martins. Tiago revela que, na análise das 100 entrevistas fornecidas, nos quatro municípios, aquelas entrevistas que revelam uma maior preocupação com a qualidade dos rios e dos mares, estão entre os pescadores que pescaram artesanalmente ou que ainda realizavam essa prática com canoas bordadas. O Projeto Informar é financiado pelo Instituto Linha d’Água de São Paulo, que acompanha e avalia o trabalho dos pesquisadores.
Aline Tomazi, bióloga e técnica do Comitê Tijucas-Biguaçu entende que apenas com a interação dos municípios, representantes dos comitês e pesquisadores vai ser possível avançar na política de recursos hídricos, assim vencer um edital de cultura dá visibilidade social: “As conquistas do comitê – e dos comitês - refletem a dedicação e o esforço de nosso trabalho. Os projetos inscritos e realizados, hoje, ajudam a esclarecer que a água está em todos os processos e práticas humanas. Sem água, não há plantação, criação, indústria, nem mesmo peixe ou casa para morar. Que essas conquistas sejam de toda a sociedade.”.
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