Elson Targino Soares foi pescador por mais de 40 anos. "É preciso combater a pesca predatória senão o peixe acaba.". |
(*) William Wollinger Brenuvida
João Abelardo Fagundes tem mãos sujas do óleo diesel da embarcação, mãos
duras e calejadas, os pés metidos na babugem e nas areias finas e alvas da Praia da Armação da Piedade. Ele ajuda outro camarada a remendar uma rede de malha. “É pro camarão”, ele diz. Olhar perdido, frases curtas, em uma face queimada do sol. O pai tem 98 anos, e ainda caçou baleias na Armação, ele afirma. Todos os irmãos são pescadores. São muitos. Mas, a pesca está acabando vai dizer o irmão dele, Luiz Abelardo. Eles são netos do Boto, e antes que alguém ache que boto tenha alguma relação com as lendas nortistas, do Rio Amazonas, boto era o apelido de Luiz Alexandrino da Silva, marinheiro nascido no Estado do Pernambuco, e que, serviu no farolete do Anhatomirim, e no Farol da Ilha do Arvoredo. O boto era uma lenda porque nadava de pé, com uma trouxa na cabeça cruzando o canal que separa e une a Enseada da Armação e as praias da capital Florianópolis. Os Fagundes possuem uma relação ancestral com mar. A esposa do boto, a avó Etelvina Maria Bittencourt da Silva descendia de açorianos que para cá vieram para a caça das baleias. O mar é uma sina que a gente não teve como deixar, disse João Abelardo Fagundes.
João Abelardo Fagundes |
As entrevistas com pescadores, em quatro municípios onde o projeto Informar
está inserido, começaram. Os pesquisadores do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Tijucas e Biguaçu, e bacias contíguas, visitaram pescadores em Tijucas, Bombinhas e Governador Celso Ramos, e já agendaram visitas em Porto Belo. Até o presente momento foram realizadas 10 entrevistas, seguindo os procedimentos das técnicas de jornalismo e em atenção às normas do projeto Informar. Um questionário com mais de 40 perguntas foi desenvolvido, e entremeadas as perguntas, as histórias vivenciadas no mar vão surgindo. Há sempre um cuidado especial na abordagem porque os pescadores são pessoas simples e bastante desconfiados, nos afirma o engenheiro de aquicultura e responsável pelo projeto Tiago Manenti Martins. Essa desconfiança se revela no fato dos próprios relatos dos entrevistados que dizem que o governo, os políticos e os pesquisadores apenas querem as informações deles, mas nada ajudam o pescador.
Cações e arraias, onde estas espécies estão afinal?
Laurentino Nascimento |
O mais importante na abordagem dos pescadores é confronto, em seus discursos, com o momento presente o passado não muito distante. Com mais de 70 anos de idade, e esbanjando jovialidade, o pescador aposentado Elson Targino Soares ainda vai ao mar quando tem oportunidade. Seu Elson é citado em outras entrevistas como uma espécie de professor dos pescadores mais novos. Com mais de 40 anos de profissão, e poucos anos de escolaridade, seu Elson diz que deve tudo o que tem ao mar. Casado, pai e avô, ele viu a geração dele ter fartura no mar com muita dificuldade para enfrentar o mar, principalmente no inverno, como também alega que as facilidades tecnológicas de hoje afastaram o peixe e o camarão. Depoimento parecido tem Laurentino Nascimento, aprendiz de seu Elson, e hoje com mais de 40 anos de idade. De acordo com Laurentino, as embarcações maiores e não registradas na Capitania, aquelas que trabalham clandestinamente é que tiram o direito natural do pescador artesanal. “Como você vai chamar de artesanal uma pesca praticada com um bote de mais de 10 metros, e com motores com mais de 300 HP?”, Laurentino se queixa. Para ele, e para muitos pescadores, o fato dos cações e arraias sumirem das enseadas e até mesmo do alto-mar se revela na falta, na escassez de alimentos desses peixes.
Os entrevistados citam os nomes do cações e arraias pescados antigamente na
baía e pequenas enseadas, mencionam que o Rio Ratones, em Florianópolis, hoje poluído e muito descaracterizado, sempre serviu de alimento para essas espécies de cações e arraias. Muitos mencionam, também, a importância do Rio Tijucas como uma espécie de criador ou criatório de camarões, siris, caranguejos, além de pequenas espécies de peixes. Essa opinião, porém, não é unânime. Há pescadores que não enxergam essa relação com o Rio Tijucas – geralmente aqueles mais afastados do Rio, ou que não recebem ou receberam instruções sobre a manutenção de espécies pelos rios da região.
Luiz Abelardo Fagundes |
Hoje empresário do ramo de alimentação, o pescador Maureci Klausen, o
popular Ci, da Fazenda Armação, ainda vai ao mar. Ele menciona que hoje é mais cômodo para o pescador tirar seu sustento em razão da tecnologia, mas que é preciso entender melhor o funcionamento do mar para que o alimento não falte na mesa da população. “Dependemos daquilo que gostamos, que é ir pro mar, e lá trazer peixe, camarão, lula. Mas, é preciso mais atenção com o pescador, com o mar.”, menciona Ci que diz que no passado recente já pescou tubarões (cações e raias) de forma artesanal, e hoje essas espécies quase não existem.
Maureci Klausen, o Ci |
Luiz Abelardo Fagundes e o filho que segue na pesca |
Tudo é devidamente documentado: filmado, gravado com aparelho de voz, fotografado, e realizado o registro em formulário com a assinatura do pescador. Cada um dos pescadores recebe uma camiseta do projeto, e se compromete a fornecer mais informações se, e quando elas vierem. Os pesquisadores buscam não concentrar as entrevistas em apenas uma localidade, exatamente para que os relatos encontrem diferentes matizes nas falas dos entrevistados. A abordagem é realizada com critérios e paciência, atendendo os requisitos do projeto e o prazo estabelecido. Em junho deste ano todas entrevistas estão devidamente compiladas, e documentadas em livro e vídeo-documentário. Até o mês de junho 100 pescadores devem ser entrevistados. O projeto que pretende sensibilizar e conscientizar para a pesca responsável, principalmente de tubarões e raias, é financiado pelo Instituto Linha D’água, de São Paulo.
(*) William Wollinger Brenuvida é jornalista. Técnico da Associação Caminho das Águas do Tijucas.
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