8/18/2017

PERIGOS EM ALTO-MAR

Antiga rede de cação boiado
Os pesquisadores do Projeto Informar ouvem relatos dramáticos. A atividade da pesca é pouco assistida pelos órgãos governamentais mesmo reunindo mais de 2 milhões de trabalhadores artesanais na América Latina e Caribe.

Por William Wollinger Brenuvida, jornalista
Com apoio de Tiago Manenti Martins, engenheiro de aquicultura

As ondas se agitam e o vento não dá trégua, o céu varia do cinza chumbo ao roxo. “Vem rebojo!”, apontao tripulante mais jovem. “Não dessa vez, acho que é bem pior…”,diz ensimesmado Manoel Adolfo da Silva, o Eca, pescador de Bombinhas que aos 53 anos idade largou a pesca em alto-mar em 2012 para se dedicar a família e negócio próprio. Foram 34 anos de dedicação ao mar. Acostumado a pesca do cação, diz ter capturado de uma vez só, 72 mangonas (Carchariastaurus), que pesavam entre 90 e 100 kilos, nas Queimadas, duas ilhas distantes 35km do litoral paulista, e classificadas como um dos lugares mais perigosos do mundo em razão da quantidade de animais peçonhentos. Mas, a vida de Eca mudou radicalmente a partir de 2004 quando enfrentou nada menos que Catarina. Não era um fiscal do Ibama ou do ICMbio, nem mesmo uma autoridade policial ou judiciária. Entre os dias 24 e 28 de março de 2004, o furacão Catarina golpeou violentamente a tripulação do pesqueiro onde Eca trabalhava. Pescador experiente, ele disse que nunca tinha vista nada igual em mais de 30 anos de profissão. Eles estavam a 3.400 metros de profundidade em busca de cações quando o vento os acertou, e com muita sorte e experiência na condução da máquina e do leme, não naufragaram. Desastres naturais, distância de casa, assaltos à mão armada, além de ausência de proteção legal tornam a pesca uma atividade perigosa.

Entre as atividades mais perigosas
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
Tiago Martins e os pescadores Eca e Dinizarte. Bombinhas-SC
levantamento realizado no ano de 2009, somente na América Latina e Caribe 2 milhões de pescadores eram classificados como artesanais, e 500 mil trabalhavam na maricultura. A organização internacional definiu entre 2007 e 2009 novas regras para proteger aquela que considera a atividade laboral mais perigosa do mundo que em 2009 empregava 43 milhões de trabalhadores. Não apenas acidentes no mar marcam como a atividade perigosa. O naufrágio do pesqueiro Dom Manoel XVI ocorrido na sexta-feira, 11/8, e divulgado amplamente na mídia, e que vitimou 6 pescadores é mais um caso de despreparo da indústria pesqueira brasileira. Mas, órgãos ligados aos direitos humanos ainda apontam como nocivas e perigosas questões referentes ao tráfico de seres humanos, assaltos à mão armada, além do trabalho escravo, trabalho infantil e o dumping social – onde trabalhadores imigrantes e migrantes conseguem ocupações em embarcações aceitando menores salários e funções não mais aceitas pela legislação brasileira.

O relato narrado por Manoel Adolfo da Silva, que pescava cações a profundidades de mais de 5 mil metros, se soma a relatos outros, de pescadores que abandonaram o mar após presenciarem cenários atemorizantes. Em Canto dos Ganchos, o pescador Alisson Rech Alves, confesso apaixonado pelo mar e pesca, diz que era aprendiz com o pai Alcemir Alves, mestre de embarcações, quando muito jovem presenciou o Furacão Catarina: “Eu era praticamente o mais novo da tripulação. Quis o mar. Sempre quis desafiar o mar, e se Deus quiser ainda vou tirar a carta de mestre para orgulhar meu pai. Mas, naqueles dias do Catarina (furacão) eu vi ondas superiores a 10 metros. Vi homens adultos chorarem e dizerem que não voltariam mais. Meu pai foi muito corajoso no leme da embarcação, e contava com uma tripulação experiente. Eu era muito jovem, e nem me dei conta que estávamos em risco de afundar.”, diz Alisson. O Furacão Catarina afetou a costa catarinense entre os dias 24 a 28 de março de 2004 com ventos de 95 nós, aproximadamente 176km/h. Os prejuízos foram calculados em 470 milhões de dólares.

Há uma expressão muito comum entre os pescadores que diz que “Lá fora filho chora e mãe não vê.”. Alisson Rech Alves diz que quando chegaram em casa, a avó e mãe Vilma Alves, havia gasto todas as velas e os joelhos: “Minha avó chorou muito e abraçou eu e meu pai como se a gente não se visse a anos. Foi emocionante. Depois disso, meu pai foi deixando a pesca de alto mar e só pesca artesanalmente por aqui (Canto dos Ganchos). Muita gente critica, mas não sabe o que a gente passa lá fora.”, afirma Alisson.  

O rio que por ali passa tem o nome de seus antepassados: Rio Rebelo. Aos 45
anos de idade, formado no Ensino Médio, o mar foi uma paixão e tradição de família. “Todos pescaram.”, afirma Sandro José Rebelo, mencionando que o pai José Acari Rebelo trabalhou 49 anos na pesca, ensinando tudo o que ele ainda sabe de mar. Condição diferente ele deu ao filho que diz não continuar no mar. Rebelo que hoje trabalha com turismo náutico dedicou 16 anos a pesca de arrastão, principalmente em barcos de Santos-SP, com comprimentos que iam de 18 a 21 metros. As famosas “parelhas” levavam 7 tripulantes em cada barco, e ele conta que chegou a ficar mais de 20 dias sem retornar à terra. Na pesca de tubarões e raias, nos cações, ele afirma ter permanecido mais de 50 dias no mar. Na opinião de Rebelo a pesca piorou muito, principalmente porque existem muitos barcos: “Na Vila do Araçá antigamente tinha 20 barcos pequenos, hoje tem mais de 60.”, que ainda diz que são muitos barcos para pouco peixe. “Tu vê que nós temos a fechada (paralisação) da corvina. Isso nunca houve, mas não tem como bicha (o peixe) desovar.” Quanto aos cações ele diz nunca ter trabalho no espinhel, e sim na rede. “Trabalhei na rede, em alto mar. Perdi muitos primos e amigos lá fora. É uma pesca muito perigosa. Tu estás mais pra África do que para o Brasil. É muito longe daqui. Se um barco vira, não tem como salvar ninguém”, lamenta.

O projeto Informar: tubarões e raias é uma iniciativa do Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas dos Rios Tijucas e Biguaçu, e bacias contíguas com financiamento do Instituto Linha D’água do estado de São Paulo, e apoio do Instituto Chico Mendes para Biodiversidade (ICMbio) e Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios (Labitel), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com a finalidade de avaliar as condições do ecossistema marinho e a preservação dos elasmobrânquios na Baía de Tijucas, o projeto observa se as águas dos rios Tijucas, Inferninho, Santa Luzia, bem como de outros pequenos rios que escoam na Baía de Tijucas influenciam na qualidade de vida das comunidades praieiras participantes da área da abrangência do Comitê Tijucas Biguaçu.
Local: Tijucas, SC, 88200-000, Brasil

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